Série: PCAB Transformando Vidas

PCAB promove empoderamento de mulheres de comunidades tradicionais e indígenas

Melhorias socioeconômicas resultantes da estruturação de cadeias de valor sustentáveis estimulam as comunidades a proteger os recursos naturais envolvidos. A abordagem utilizada em projetos da PCAB não só contribuiu para melhoria nas condições de mais de 84 mil beneficiários em 2019, sendo 41,5 mil mulheres, como também vem trazendo o reconhecimento do trabalho delas no processo. E, em alguns casos, promovendo independência financeira e a liberdade de gastar de acordo com as próprias prioridades.   

Por meio de programas de capacitação e de fortalecimento de cadeias sustentáveis, mulheres ribeirinhas, quilombolas e indígenas vêm participando cada vez mais de associações e lutando por esse reconhecimento. 

O Informativo PCAB publicará uma série para contar histórias de transformação de vida por meio de depoimento dos próprios beneficiários. As primeiras são sobre três mulheres que vivem em comunidades no coração da Amazônia e estão conseguindo mudar suas rotinas.

1- Buscando independência

Historicamente, mulheres de comunidades tradicionais trabalham na agricultura de subsistência e no manejo de produtos amazônicos, mas as tarefas ainda são vistas em alguns locais como uma extensão das atividades domésticas e sem remuneração. Projetos que incentivam o manejo sustentável estão promovendo a autonomia financeira de comunidades e vêm estimulando mulheres a buscar seu espaço.

É o caso de Quilvilene Figueiredo da Cunha, de 26 anos, que trabalha no processo de manejo sustentável do pirarucu selvagem na comunidade de São Raimundo, uma das atendidas pelo projeto Território Médio Juruá

Como é a rotina das mulheres no processo do manejo do pirarucu selvagem?
Quilvilene - Por meio do manejo, a comunidade consegue manter uma organização, tem um regimento interno. A rotina das mulheres inclui o trabalho na roça, serviços domésticos e a coleta de sementes de andiroba e de muru-muru.  No manejo, 50% da participação é de mulheres, que não fazem a captura no lago (realizado por homens), mas trabalham no beneficiamento, cuidando da limpeza e da higienização do pescado.

Houve mudança na participação das mulheres na comunidade?
Quilvilene - O Médio Juruá tem uma organização muito bonita, só que as mulheres sempre participaram nos bastidores. Antes cuidavam da organização, da alimentação. Agora já fazem parte das reuniões, não ficam só na cozinha. Estamos trabalhando tanto o empoderamento como a autonomia financeira, por meio do projeto de coleta de sementes e produção de óleo.

As mulheres já conseguem sua própria renda?
Quilvilene - Elas passaram a ganhar pelo trabalho que fazem. O dinheiro da coleta de andiroba e do manejo do peixe pode ser usado da forma como querem. Mas o trabalho da roça elas fazem junto com o marido, e a renda é da família. Nesse caso, quem decide como vai ser gasto é o chefe da família. Para o Médio Juruá é assim, ainda tem uma cultura muito forte de que o homem decide. Estamos tentando mudar.

Quais os projetos para 2021?
Quilvilene - A associação vai começar um projeto com artesanato. Também estamos querendo envolver as mulheres na contagem do pirarucu (primeira etapa do manejo), que atualmente só tem homem. Algumas já manifestaram interesse, por isso vamos fazer a capacitação. Acho que as mulheres dão ótimas contadoras porque são observadoras.

2 - Buscando dar voz

O papel das mulheres na geração de renda das comunidades quilombolas na Amazônia sempre foi permeado por desafios, como a falta de reconhecimento. Neste contexto de luta constante, elas buscam dar visibilidade ao seu papel.

É o caso de Angilene Gomes Balbino, de 39 anos, que mora na comunidade quilombola Rolim de Moura do Guaporé, no Estado de Rondônia. É professora, presidente de associação comunitária e participou do programa que capacitou e colocou à disposição de quilombolas ferramentas para que os próprios moradores desenvolvessem um levantamento de dados para mostrar a realidade dessas comunidades na Amazônia.

Como é a sua rotina?
Angilene - Eu vou para a escola pela manhã e, à tarde, faço planejamento de aula, cuido da associação da qual sou presidente e depois das tarefas domésticas. A minha escola não é reconhecida como quilombola. Luto por esse ganho de dar educação quilombola dentro da comunidade.

Qual sua avaliação da participação no Programa Compartilhando Mundos?
Angilene - Trouxe um grande benefício. Está ajudando a conhecer a realidade da vida das mulheres quilombolas, as dificuldades que elas enfrentam para ajudar na renda familiar e cuidar dos afazeres domésticos. Mas ainda há um desafio muito grande, que é a desvalorização do trabalho dessas mulheres. Estamos numa luta para dar visibilidade a essas atividades.

Como é possível engajar as mulheres nesse trabalho?
Angilene - Por meio de projetos, podemos fazê-las entenderem a importância delas na comunidade e mostrar que são fundamentais para desenvolvimento da família e de todos. 

Entre os resultados do levantamento nas comunidades está o desafio de enfrentar a questão da violência contra a mulher. Como está isso?
Angilene - Não temos ainda um programa de combate à violência contra mulheres. Estamos na luta, tentando achar a melhor maneira de superar essa dificuldade. 

3 - Buscando papel de liderança

Cada povo indígena tem seus costumes, mas tradicionalmente na divisão de tarefas nas comunidades cabe às mulheres trabalhar no preparo de alimentos, na fabricação de utensílios e artesanato, além do cuidado dos filhos e dos mais velhos. Nos últimos anos, projetos de formação têm contribuído para despertar nelas a busca por liderança.

É o caso de Maria Leonice Tupari, de 43 anos, que mora na Terra Indígena Sete de Setembro, no município de Cacoal, no Estado de Rondônia. É coordenadora estadual da Associação das Guerreiras Indígenas de Rondônia.

Por que vocês decidiram montar a associação das guerreiras? 
Maria Leonice - Foi criada em 2015 para ajudar a enfrentar os desafios das mulheres indígenas e aumentar a representatividade. A gente era colocada em segundo plano. Era preciso empoderar essas mulheres, com conhecimento, para que elas atuassem em suas comunidades. Outro objetivo é fortalecer projetos de geração de renda. 

O que mudou depois que as mulheres começaram a participar mais? 
Maria Leonice - No começo poucas participavam das reuniões. Passamos a fazer assembleias anuais, só delas, para que consigam colocar para fora o que estão sentindo. Já tivemos um curso de formação com a Forest Trends. Começamos um outro projeto que tratará da participação das mulheres na gestão dos territórios. Um exemplo é o caso da Terra Indígena Igarapé Lourdes, onde as mulheres estão tomando a dianteira na luta de combate ao garimpo ilegal e à retirada de madeira. Elas estão tomando a frente pela força que têm e pelo conhecimento que vêm buscando. Em outros territórios há mulheres cacicas.

Como essa mudança ajuda no dia a dia da comunidade? 
Maria Leonice - Ouvimos sempre as mulheres falando que querem manter a floresta em pé. Trabalhamos com artesanato feito com produtos tirados da natureza. Se há desmatamento, as mulheres ficam sem matéria-prima. Aqui na TI Sete de Setembro, o barro é usado para fazer cerâmica. Se não houver floresta e mata ciliar, o rio seca e com isso o barro não servirá mais para o trabalho. Elas precisam muito disso.

E vocês desenvolvem projetos de geração de renda?
Maria Leonice - A associação está começando a trabalhar com a questão da renda. Com a pandemia da COVID-19, também estamos incentivando a roça tradicional. Nosso maior desafio hoje é manter o território. Não adianta lutarmos por saúde, educação e modo de vida melhores se não tivermos terra para manter nossa vida.